Em 2019 foi anunciado a continuação do maravilhoso Doutor Estranho (2016) e, desde então, toda a internet foi preenchida por milhares de teorias, roteiros parcialmente vazados, imagens dos sets de gravação, brigas entre os fãs. Depois de alguns anos de espera o que preenche a internet são críticas e, pelo menos nessa primeira semana desde o lançamento, a maioria delas são negativas. E se existe algo que todos devemos aprender, é que formar uma opinião própria sobre algo não machuca.
Após o Blip, os cinco anos em que metade do universo permaneceu em um limbo da não-existencia por conta do estalo do titã Thanos, a vida de Stephen Strange mudou. Christine está para se casar, Wong é o Mago Supremo e o Homem-Aranha, calma, quem é esse tal de Homem-Aranha mesmo? E no momento em que sua vida se choca com a de América Chavez, uma adolescente que consegue saltar entre realidades mas que não tem controle nenhum sobre esse poder, tudo se complica ainda mais.
— O que vocês sabem sobre o multiverso?
Sam Raimi foi um grande acerto para esse filme. Eis um diretor que sabe escolher ângulos, que mistura os tropos comuns ao terror com edições modernas e perpicazes e que, principalmente, não tem medo de inovar. Em um momento específico do filme é preciso que um personagem vá de um lugar ao outro e, ao invés de nos mostrar ele falando para onde ia e iniciando o seu caminho, parte da trilha sonora de WandaVision (2021) toca. Simples. É necessário muito tato para saber onde o gore seria memorável e em quais momentos seria um recurso apelativo demais, e Sam Raimi soube a dosagem certa para garantir a integridade do projeto.
Apesar dessas qualidades, existe um grande problema na direção de Sam Raimi: ele não parece ter assistido WandaVision. Uma personagem que está diretamente envolvida no destino físico e emocional do protagonista e dos personagens secundários precisa ser bem construída. A Wanda tinha motivações bem construídas, atitudes planejadas para conseguir o que queria, esbanjou um controle sobre a bruxaria que atiça a curiosidade do público e foi uma vilã memorável que pede por mais filmes, mas ela não é a mesma Wanda do final de WandaVision. É como se alguém tivesse contado para o diretor quais os pontos principais da série e ele tivesse imaginado o resto. Essa falta de continuidade do estado mental dos personagens é um problema recorrente nos filmes da Marvel (sim, Joss Whedon, eu estou olhando para você).
Acontece que, assim como muitas das críticas ao Joss Whedon, é impossível ignorar o descaso que ronda as personagens femininas da Marvel. Até onde a atitude de acabar com o crescimento pessoal da personagem foi um erro de continuidade e não uma atitude recorrente de não se importar o suficiente com as personagens femininas (e, implicitamente, com o público feminino)?
O elenco, em sua maioria, foi um grande acerto. Benedict não inovou em seus personagens, apesar das diversas chances para isso, mas é um ator que poucas vezes merece críticas negativas. Elizabeth Olsen continua se provando uma ótima Wanda, ela domina todos os estados mentais de sua personagem e faz um trabalho exemplar com ela. Xochitl convence como uma garota inexperiente e assustada, nos fazendo ansiar por mais aparições em que a personagem (e a atriz) possa ser melhor explorada. Personagens secundários, apesar de terem menos tempo de tela e por isso menos desenvolvimento, não dão motivos para reclamação.
E os cameos, ah, os cameos... Cada aparição me rendeu um surto diferente.
— Que boca?
O roteiro não é perfeito. No último ato é necessário que a América tome controle sobre a situação e a forma como ela faz isso é rísivel. Esse tropo do "você sempre foi capaz" é cansativo e o filme não precisava disso. A vilã é tão poderosa que a única forma de a vencer é fazendo que ela tenha um momento sentimental e decida parar, o que não é de todo ruim porque nos proporcionou uma cena com uma atuação impecável, mas ainda parece fraco demais para um filme que parecia amar o fato de ser complexo. Toda a tensão da última cena e as possibilidades para o futuro do personagem são respondidas pela cena pós-crédito. O arco de personagem do Stephen foi infinitamente inferior ao do primeiro filme. Apesar dessas falhas, que, sim, prejudicam a experiência, o filme não é, e nem está perto de ser, ruim. Existem cenas e personagens que marcam a nossa mente, lutas feitas com uma criatividade ímpar, uma edição de Bob Murawski que me surpreendeu, um elenco bem dirigido e um ritmo que nunca breca.
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um ótimo exemplo desse nova fase da Marvel: não perfeito, não sem falhas, mas uma novidade há muito ansiada.
Título: Doutor Estranho no Multiverso da Loucura | Diretor: Sam Raimi | Nota: 3

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