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O que gerou a mulher que nos criou O nome da entrevistada é
Tereza Angélica da Silva, 69 anos, natural do estado de Pernambuco, vive na
cidade de São Paulo há mais de três décadas. Mãe de seis filhas com idades entre
38 e 50 anos e dois filhos que morreram antes de completar 1 ano de idade,
ela tem 10 netos e nenhum bisneto. José Pedro da Silva, seu marido desde os dezesseis
anos, morreu por conta de um câncer pulmonar. Pessoas diferentes
falam de formas diferentes e Tereza não é a exceção à regra: eis uma mulher
que fala muito e fala rápido. Mãos alguma dariam cabo da tarefa de
transcrever o que ela dizia, celular algum gravaria tudo sem ser colocado
para carregar algumas vezes. Tereza disse muito, disse rápido e disse tudo o
que era necessário para que um trabalho de faculdade se transformasse em algo
que nota alguma quantificaria a importância. A conversa que se seguiu após as
xícaras de café serem preenchidas foi uma das mais longas que já existiu
entre a neta e a avó. A infância trabalhosa, a maternidade adiantada, o luto
após perder filhos e marido, o vazio do imigrante e os demônios que uma vida
violenta gera em uma pessoa foram abordados ao longo de três horas. O mais
surpreendente para a entrevistadora foi a felicidade em falar sobre o
passado: são poucos os momentos em que Tereza fala de sua vida de forma tão saudosa. Ela não foi uma mulher com
muitas chances de registrar a vida e, infelizmente, essa ausência física é
capaz de marcar os contornos de sua vida. Ela não tem fotos de sua infância.
Nenhuma das irmãs, vivas ou mortas, marcam as paredes de sua casa. Não existe
um retrato de seus pais: isso era para quem tinha dinheiro e Tereza não podia
gastar sem pensar duas vezes antes disso. O nome das seis filhas e dos dez
netos se misturam em sua boca sempre que precisa chamar alguém, mas o nome de
seus pais vem tão facilmente quanto as orações que recita sempre no mesmo
horário e cadência: João e Maria, pai e mãe, João e Maria. Ela nasceu no interior de
Pernambuco, em um sítio que já não existe mais. Trabalhando com o plantio e
colheita de cana-de-açúcar desde os estágios mais singelos da infância,
conheceu seu marido e engravidou da primeira filha aos dezesseis anos de
idade. Marido e mulher, ambos trabalhando mais do que o corpo aguentava,
tinham apenas farinha de mandioca para comer e fumo para se esquentar durante
a noite. Quando podiam usufruir de um luxo maior, o feijão se misturava ao
amontoado de farinha que Tereza transformava em um bolo. Ao que uma das irmãs se casou com um homem um pouco mais rico que a maioria, a chance de estudar foi ofertada a ela. A garota com filhas demais e comida de menos não deu atenção para a educação, havia problemas maiores em sua vida. Já com quatro filhas, a imigração para o sudeste se espalhou como uma infecção por toda a região. São Paulo se tornou um sonho e, após chegarem à cidade, a realidade se mostrou amarga. O trabalho não era mais fácil, a proximidade com a família mais gerava problemas, mas nunca se arrependeram: as últimas filhas não passaram fome. (Trabalho realizado para o curso de Jornalismo Bacharelado) |
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