Que criança não seguiria um coelho falante preocupado com o seu atraso inevitável? Que criança não investigaria uma sala repleta das mais diversas provas até, após um breve período de hesitação, tomar um líquido que a diminuiria de tamanho? Que criança não penetraria nas entranhas de um mundo maravilhoso?
Que bizarramentice! Agora estou crescendo, como a maior luneta do mundo! Adeus, pés!
Lewis Carroll (pseudônimo do professor Charles Dogson) criou um dos maiores clássicos da literatura, não apenas da literatura britânica como da mundial, em um passeio de barco com as crianças da família Liddel. A história criada em uma tarde e transcrita e revisada por anos de um trabalho árduo rapidamente ganhou a atenção da Inglaterra vitoriana e, consequentemente, do mundo.
Alice no País das Maravilhas é um livro estremamente divertido. Alice é uma personagem carismática e sem filtros, apesar da constante tentativa de usar a lógica britânica que aprendeu durante toda a sua vida nas situação mais peculiares possíveis, e com uma imaginação pulsante. Seus argumentos, que inicialmente parecem lógicos e sensatos, rapidamente se mostram um novelo de lã formado por linhas de racíocinios divergentes.
Algo relacionado ao humor do livro é a questão de Alice ser uma criança: naquela época, personagens infantis eram adultos pequenos. Não haviam crianças, apenas mini-adultos. Os devaneios e questionamentos de Alice, somados a forma como expõe suas ideias e lida com as reações dos seres fantásticos que se infiltraram em seu mundo, de forma alguma poderiam ser atribuidos a um adulto.
Falando em novidades para a época, a questão do imaginário foi algo marcante. A forma como os seres fantásticos, conversas e acontecimentos continuam sendo estudados por especialistas em ramos que tratam da psicologia humana e do imaginário infantil. Existem livros que se propõem a estudar esse livro, se a surpresa e interesse no conteúdo é tamanha na atualidade é fácil imaginar a surpresa de quem foi contemporâneo ao lançamento do livro.
O livro, assim como a bélissima animação, tem um aspecto de sonho. A ambientação é maravilhosa (nunca abandonarei meus trocadilhos extremamente previsíveis e engraçados apenas para a minha pessoa), conseguir envolver o leitor ao mesmo tempo em que deixa espaço para a imaginação. Ninguém imagina a mesma Alice fisicamente, mas acho que é seguro dizer que todos imaginam a mesma criança irrequieta e sem papas na língua.
Isso é algo que se perde na adaptação feita por Tim Burton: o aspecto sonho se transforma em um aspecto pesadelo. A diferença em relação ao cânone não é um problema: diferentes mídias pedem diferentes textos e subtextos, assim como as diferentes pessoas que trabalham nesses projetos tem o direito de usarem sua imaginação e liberdade artística para realizarem um trabalho que converse com eles. Acontece que esse é um aspecto que, depois de reassistir após anos de apenas uma boa lembrança em mente, diminuiu em minha visão.
A tradução dessa minha edição é uma tradução simplificada. Normalmente eu me incomodaria com isso, seria como se a própria equipe que trabalha duro para poder traduzir aquele livro olhasse para os seus leitores e disse-se: vocês não irão entender então eu iria simplificar. Nesse caso, não me incomodou de forma alguma. Primeiramente, esse é um livro de fantasia que usa de muitos trocadilhos e eu sou capaz de entender que esse deve ser um grande pesadelo para toda a equipe de tradução, mas o motivo mais compreensível e que até mesmo prova que foi uma boa escolha é o fato de esse ser um livro infantil. A tradução, assim como todos os outros aspectos, devem beneficiar seu público alvo e, no caso desse livro, se a tradução não fosse simplificado então teríamos um problema.
Muitos se assustam com a palavra "clássico", mas basta lembrar de livros como Alice no País das Maravilhas para sermos lembrados de que clássicos são apenas livros que sobrevivem ao teste do tempo e, em boa parte dos casos, eles se provam grandiosos quando nos desafiamos a lê-los.
Título: Alice no País das Maravilhas | Autor: Charles Dogson | Editora: Darkside | Tradutor: Marcia Heloisa | Nota: 5
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